Depois de um ciclo implacável de mortes, destruição e dolorosas negociações secretas, Israel e Hamas finalmente assinaram um acordo que promete pôr fim — ainda que parcialmente — ao confronto em Gaza. O cessar-fogo — que inclui também a libertação de reféns israelenses em troca de prisioneiros palestinos — chega como a maior brecha diplomática em dois anos de guerra. Mas o caminho para a paz continua cheio de armadilhas e incertezas.
Entre trocas e recuos
O pacto sela a primeira fase de um plano diplomático mediado por Estados Unidos, Egito e Catar. No acordo, Israel concorda em retirar suas tropas parcialmente de Gaza, enquanto o Hamas se compromete a libertar os reféns ainda detidos no enclave. Em contrapartida, Israel liberará centenas de presos palestinos — muitos deles condenados por crimes de segurança — e permitirá o acesso de caminhões com alimentos e suprimentos médicos à população sitiada.
A implementação do cessar-fogo está condicionada à ratificação do pacto pelo gabinete de segurança de Israel e a outras etapas logísticas e políticas, entre elas o estabelecimento de cronogramas para a retirada e a troca de prisioneiros. Apesar de a assinatura formal “rascunho final” já ter sido confirmada por autoridades israelenses, permanece a dúvida: o Hamas assinou nas mesmas condições? Enquanto isso, estima-se que o cessar-fogo deva entrar em vigor 24 horas após aprovação interna israelense. Desde já, há relatos de bombardeios até a consumação formal do pacto — um lembrete cru de que o silêncio muitas vezes precede o estrondo.
Alegria contida e receios persistentes
Nas ruas de Gaza, muitos habitantes festejam o fim da matança. Em Khan Younis e Deir al-Balah, pessoas se emocionam, disparam tiros de celebração e compartilham lágrimas de incredulidade. Do outro lado da fronteira, famílias de reféns israelenses se reúnem em praças especiais para acompanhar os primeiros anúncios com misto de alívio e ansiedade. A cada anúncio, surge uma nova onda de esperança — porém frágil.
Essa felicidade, porém, convive com dúvida. Qual será o destino de Gaza após o cessar-fogo? Como será a governança do território devastado? E — talvez o ponto mais explosivo — o que acontecerá com o braço armado do Hamas? Embora o pacto inicial cubra apenas o início de um novo capítulo, muitas cláusulas estratégicas foram adiadas para as fases seguintes.
Armadilhas diplomáticas e riscos de colapso
A história recente da região ensina que qualquer trégua é vulnerável. Diante de prazos não cumpridos, tensões podem rapidamente reacender. A exigência de desarmamento do Hamas — parte do plano de longo prazo — já é vista como um “elefante na sala” por analistas e interlocutores árabes. Regiões inteiras de Gaza seguem em ruínas, com infraestrutura colapsada e falta crônica de água, luz e remédios. A reconstrução exigirá não apenas toneladas de ajuda humanitária, mas confiança duradoura entre as partes — algo raro nesse terreno soterrado por décadas de conflito.
Além disso, dentro do próprio espectro político israelense há forte resistência. Integrantes da ala mais radical têm criticado qualquer concessão ao Hamas, chegando a ameaçar minar o governo caso o pacto avance. O primeiro-ministro israelense tenta agora costurar consensos internos enquanto executa — com cautela — os primeiros passos do tratado.
Uma trégua para reconstruir o amanhã
Mais do que a suspensão de tiros, o acordo pode significar uma pausa no tempo para as vítimas. Se respeitado, dará respiro urgente para civis exauridos, hostages reaproximados de suas famílias, e ao menos uma ponte diplomática entre mundos que pareciam irreconciliáveis.
Mas paz de meio-termo não é paz completa. Se essa trégua se manter, ela poderá ser alavanca para uma nova ordem regional — ou o prelúdio de um novo colapso. Em Gaza, os escombros não esquecem. E no Oriente Médio, cada ato de silêncio gera expectativa — e tensão.