Orçamento em cena: o Estado como palco da justiça social

O debate recentemente realizado no Tribunal de Contas da União (TCU) lança luz sobre um dos principais dilemas da administração pública brasileira: qual o papel do orçamento estatal na correção — ou reprodução — das desigualdades sociais? Em uma conjuntura em que os dez por cento mais ricos ainda detêm rendimentos mais de treze vezes superiores aos quarenta por cento menos favorecidos, o evento coloca em pauta a ideia de que os números não são neutros — o orçamento é política pura.

A abertura ficou por conta da presidência do tribunal, com ênfase na necessidade de “gestão fiscal eficiente e responsável”. O propósito: mostrar que o controle dos gastos públicos não é fim em si mesmo, mas meio para que se alcance um desfecho mais equilibrado para a sociedade. Em seguida, painéis articulados trouxeram temáticas como “Equilíbrio Fiscal, Juros e Desigualdade Social”, “Arrecadação versus Controle do Gasto Público”, “Tributação Internacional e Soberania” e “Qual projeto de desenvolvimento o Brasil precisa?”. Cada um desses eixos revela um aspecto diferente — e interligado — das engrenagens que movem o Estado-orquestra.

Um dos pontos centrais discutidos é a distribuição dos recursos públicos de forma que atendam ao preceito constitucional de equidade. Aqui se ressalta que não basta aprovar dotação orçamentária: é preciso garantir que seus efeitos atinjam de fato os que estão à margem. A articuladora desse debate sustenta que o orçamento — se bem alocado — pode ser instrumento poderoso de redução de desigualdades regionais, sociais e econômicas.

Ao levar para o centro da mesa os temas da arrecadação, do gasto, da tributação internacional e do desenvolvimento, o evento propõe uma leitura ampliada: não é só quanto se gasta, mas como se gasta; não é apenas quanto se arrecada, mas de quem e para quem. A desigualdade, nesse campo, não é apenas um dado estático — é resultado de escolhas orçamentárias que têm rosto, lugar, cor e geração.

Há, porém, desafios evidentes. Em economia apertada, com rígido teto de gastos, taxas de juros persistentes e pressão por austeridade, a construção de política orçamentária com foco redistributivo exige reposicionamentos estratégicos. Há resistência estrutural tanto na forma de arrecadação — que tende a onerar os que menos podem — quanto na forma de gasto — muitas vezes orientado a urgências e lógicas de sobrevivência, mais do que a projetos de longo prazo.

Além disso, o evento não perde de vista que a sustentabilidade das contas públicas e a estabilidade macroeconômica dialogam com a justiça social. Uma linha tênue separa a gestão responsável do “enxugamento da oferta de serviços que mais beneficiam os vulneráveis”. A lição, então, é que “cortar para equilibrar” não pode equivaler a “desinvestir de quem mais precisa”.

Ao fim, o que se extrai dessa discussão é que o orçamento público — longe de ser mero instrumento técnico — configura-se como arena de disputa por prioridades e valores. Se o Brasil almeja reduzir as diferenças que o atravessam, será preciso pensar não apenas em “quanto gastar”, mas em “quem ganha com o gasto”. E esse “quem” define não apenas o presente, mas também as possibilidades de futuro.

No momento em que o aparelho estatal volta-se para si mesmo — e questiona seus pressupostos orçamentários —, abre-se uma janela para a esperança: de que o investimento público seja não apenas a soma de cifras, mas um vetor de transformação social. E, nessa narrativa, o orçamento deixa de ser coadjuvante e assume o papel de protagonista.